RAINHA ROMÃ


Em Dezembro o pai trazía-lhe romãs para a mesa do Natal, para enfeitar o engelhado das nozes e a solidez das pinhas.
Eram de casca muito esticada, um pouco áspera, ora douradas ora avermelhadas e sempre com uma pequena e perfeita coroa no topo, bicuda e altiva que parecía dizer Cheguei, Estou aqui!.
Havería de as esquartejar, debulhar, tingir os dedos lá pelos Reis. Para ter a sensação de ser também o dia dela, o da Rainha.
Mas o momento alto era quando grão a grão levava à boca as pequenas jóias cor de granada e lhes sentía no sumo fresco as saudades de seu pai.

LIÇÃO GOURMET




Mascaro-me de chocolates e baunilhas, caramelos e caldas. Tudo muito doce, muito teu, tanto da poesia que me fazes sentir em cada gesto leve que denomina prazeres, fantasias, o gosto da tua boca a soprar outros sentidos, hoje é só provar dizes tu, e eu cumpro a lição como a natureza me ensinou: Ávida de ti.

LÍNGUA(S)



Aprendi letras, ditos, contas e mexericos, aprendi a escondê-la na contrariedade e a exibi-la na jocosidade, aprendi o sabor do acre e do doce, das lágrimas de riso e as de esconde-esconde, aprendi a lamber, experimentar e sorver, aprendi a crescer, aprendi a beijar, aprendi a salivar, aprendi outras línguas, outros saberes, outros quereres e de todas elas aprendi também, não há língua igual à de mais ninguém.

O SEGREDO



Ouviu de olhos abertos, muito abertos para nada perder. Sentiu o coração a bater com mais força à medida que engolía as palavras que lhe falavam e estas a enchíam da solenidade do momento.
Olhou ao redor.
Só para ela tinha sido revelado o segredo.
Agora só a ela competía guardar-lhe o sabor.
E de tão imenso que era e precioso e verdadeiro, levou a mão à boca que este tinha um gosto forte para o que estava habituada.

DOIS CORAÇÕES


Das duas metades fez um todo.
Dois sabores, dois géneros, duas familias, dois gostos num.
Não é assim que deve ser? Unir o que é separado, juntar bocas num beijo, olhares nas palavras, paladares num mesmo amor?
Das duas metades fez um manjar único e alimentou-se dele, sem lhe acabar o nutrido sumo, sempre mais, sempre mais cativado, sempre mais amado.

DESPEDIDA



Sorveu aos goles, aos toques de língua no amaríssimo liquido quente, as papilas encostadas ao céu da boca, a garganta aberta à descoberta do sabor acre que lhe escorría em fio para o interior.


Disse adeus e enxugou as lágrimas que bebeu.

TOCAR


Tocar na ponta da língua sabores sobre saberes, descobrir cores e aromas.
Alguns de ti. Alguns que ficarão para sempre a fazer parte de mim. Do meu gosto.